Notícias :: Medo de dirigir

05/10/2020

Dirigir se tornou algo fundamental e muito comum na sociedade contemporânea. Segundo dados do Denatran (2020), o número de brasileiros habilitados aumentou 38% na última década, chegando a um total de 74,3 milhões de pessoas com habilitação ativa em 2020. Apesar do ato de assumir a direção de um veículo parecer algo simples e sem complicações, pesquisas vêm mostrando que, para algumas pessoas, dirigir pode não ser tão fácil.

Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Medicina do Trânsito (Abramet, 2018) apontou que 2 milhões de brasileiros não dirigem por medo. De acordo com o estudo, a cada 10 pessoas 8 já possuem a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), mas, apesar de já terem passado pelas avaliações técnicas e psicológicas, têm medo de conduzir um veículo. Esse medo de dirigir é algo mais frequente do se imagina e pode se manifestar de diversas formas. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) a amaxofobia, ou fobia de dirigir, afeta cerca de 6% da população brasileira habilitada.

Medo e Fobia

Para compreender melhor o assunto, é fundamental entender o que é o medo, o que é a fobia e qual a diferença entre esses conceitos.

Em live realizada em 22 de agosto sobre o medo de dirigir, a psicóloga Aurinez Rospide Schmitz, especialista em Psicologia do Trânsito e sócia fundadora do Ande Bem - Instituto de Psicologia do Trânsito, comenta que "geralmente as pessoas confundem medo e fobia. Por isso, é importante entender que o medo é uma das emoções mais básicas do ser humano e que faz parte do nosso desenvolvimento. Ele tem uma função essencial para nós, a função protetora. Frente a um objeto, animal ou mesmo uma situação de perigo, é essa emoção que desperta em nós uma reação de proteção e defesa" (Schmitz, 2020).

Assim, o medo pode ser compreendido como uma reação inerente ao ser humano que funciona como um sinal de alerta. Diante de um perigo ou risco real, como, por exemplo, dirigir à noite em uma estrada pouco movimentada, o medo é algo esperado e útil. Esse medo é considerado normal ou positivo quando facilmente se desfaz após o perigo passar, sendo uma emoção indispensável que nos prepara para suportar e reagir a situações de ameaça (Tavares e Barbosa, 2014). Porém, quando esse medo se torna desregulado, isso gera problemas.

Existem pessoas que manifestam um medo exacerbado e paralisante frente à uma situação e acabam por desenvolver sentimentos de frustração, sofrimento e incapacidade. Essas pessoas sentem um medo desproporcional à realidade apresentada, podendo desencadear reações como paralisia, evitação da situação e até mesmo sintomas físicos como tremores, sudorese, aumento da frequência cardíaca, enjoos e outros (Barboza, Costa, Nachif & Júnior, 2020). Estes são alguns sintomas característicos da fobia.

"A fobia é caracterizada por um medo acentuado, persistente, excessivo e desproporcional à situação vivenciada. Esse medo fóbico causa um prejuízo emocional muito grande por ser algo limitador e ocorre de forma tão intensa que as racionalizações não são suficientes para diminuí-lo"- informa a psicóloga (Schmitz, 2020). Por esse motivo, falas como "Não precisa ter medo. Mantenha a calma. Dirigir é simples" não surtem efeito para essas pessoas, já que o medo que se têm vai além da razão.

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5, 2014), as fobias em geral, fazem parte do espectro dos transtornos de ansiedade. Em relatório publicado em março de 2018, a Organização Mundial de Saúde aponta o Brasil como o país com o maior número de pessoas ansiosas do mundo: 18,6 milhões de brasileiros convivem com o transtorno, o que corresponde a 9,3% da população do país (PAHO, 2018).

Fobia de dirigir: Amaxofobia

A fobia de dirigir ou amaxofobia faz parte das fobias específicas, caracterizando-se por um medo acentuado e persistente que se manifesta de forma excessiva ou irracional frente a presença ou mesmo antecipação da situação fóbica, trazendo prejuízos para a vida da pessoa (APA, 2014). Essa fobia pode se manifestar em diversos graus, de forma mais leve ou mais intensa e suas origens variam e são particulares para cada pessoa, dependendo de questões como as influências sociais, o contexto histórico-cultural e o ambiente (CORASSA, 2006).

De acordo com Aurinez "quando a pessoa apresenta um medo fóbico é importante identificar qual a causa desse medo desproporcional". Isso também se aplica à fobia específica de dirigir. "As causas externas, como, por exemplo, sofrer um acidente, podem desencadear essa fobia. Contudo, na literatura e também na prática clínica, esse fenômeno é mais relacionado com as questões individuais. É importante destacar que a fobia tem um significado próprio para cada pessoa", complementa a psicóloga (Schmitz, 2020).

Bellina (2005), sobre o medo de dirigir destaca a dificuldade da pessoa frente à incompreensão e julgamentos da sociedade, já que muitas pessoas veem o ato de dirigir como uma habilidade motora fácil de ser aprendida. Porém, como lembra a autora, o medo de dirigir, como qualquer fobia, é um transtorno psicológico e não uma incapacidade de aprender. Neste sentido, existe tratamento, contudo o primeiro passo é a própria pessoa admitir o problema, possibilitando assim, a busca de ajuda profissional.

Sobre este aspecto, a psicóloga Aurinez Schmitz ressalta a preocupação com os estereótipos que a sociedade e até mesmo alguns psicólogos criam sobre o medo de dirigir, associando, por exemplo, não conseguir dirigir um veículo com não conseguir dirigir a própria vida. "Geralmente, o que vemos na prática clínica é o contrário: as pessoas dirigem sua vida muito bem. Esses estereótipos, muitas vezes, fazem com que essas pessoas se sintam sem saída, justamente por estarem bem nas outras áreas da vida". A psicóloga ainda lembra que essa fobia acaba afetando a autoestima dessas pessoas e é importante identificar esse medo e também o sofrimento associado (Schmitz, 2020).

A amaxofobia pode atingir ambos os sexos, camadas sociais, econômicas e culturais. Apesar disso, a literatura disponível sobre a epidemiologia do medo de dirigir na população geral aponta que a maioria das pessoas com esse problema são do sexo feminino. Em pesquisa feita pela Associação Brasileira de Medicina do Trânsito (Abramet, 2018), constatou-se que cerca de 80% dos brasileiros que têm medo de dirigir são mulheres. O estudo também destaca que a idade média dessas mulheres é entre 30 e 45 anos.

Nesse ponto, a literatura aponta a questão cultural e a estrutura dos modelos familiares. Antigamente, as mulheres tinham uma vida independente do carro, já que dirigir era uma tarefa exclusivamente masculina. Além disso, o medo de dirigir também traz muito sofrimento aos homens, no entanto estes ainda têm muita dificuldade em aceitar esse medo e procurar ajuda, muitas vezes por influência de uma sociedade ainda muito machista (Corassa, 2006).

Principais características das pessoas com medo de dirigir

De acordo com Corassa (2006) algumas das características observadas são o medo de errar e o medo da exposição e da avaliação dos outros. São indivíduos que se ressentem com as críticas e exigem demais de si e dos outros, observam as falhas do outro e sofrem antecipadamente pelo erro que podem cometer.

"O que se observa é que o perfil das pessoas que não dirigem por medo é de pessoas sérias, comprometidas, exigentes consigo mesmas e perfeccionistas. Ou seja, são pessoas detalhistas e meticulosas, muitas vezes não suportam errar e têm dificuldades para lidar com sua exigência. E então o que elas fazem? Evitam a situação, não tentam" (Schmitz, 2020).

E essa é outra característica muito importante quando se trata do paciente fóbico: a evitação. "Além do psicólogo, a pessoa que tem medo de dirigir também precisa se dar conta dessa característica que, de modo geral, aparece em forma de desculpas famosas quando a pessoa está quase indo dirigir, como: Hoje não vou, pois está chovendo muito! O sol está muito forte e vou me sentir mal. A pessoa cria desculpas para evitar a situação que, para ela, tem a tendência a ser maximizada" - complementa a psicóloga (Schmitz, 2020).

Corassa (2006), classifica as pessoas com fobia de dirigir em dois grupos, sendo o primeiro constituído por aqueles que já tiveram algum contato, de qualquer tipo, com um acidente envolvendo um veículo e o segundo constituído por pessoas que distorcem a imagem do carro e ficam ansiosas somente em pensar em dirigir. Outra característica dessa fobia é o fato de que há pessoas que apresentam o medo de dirigir em situações específicas, uma vez que cada pessoa possuí suas causas e estímulos particulares e dirigir é uma atividade múltipla que envolve uma enorme gama de comportamentos (Bellina, 2005).

Por isso, algumas pessoas conseguem dirigir em cidades, mas têm medo de dirigir em rodovias ou de dirigir a noite em estradas, por exemplo. Além disso, um aspecto comum da amaxofobia é que as pessoas apresentem alguma comorbidade, ou seja, que esse medo de dirigir esteja associado à outro transtorno psicológico, como, por exemplo, um nível elevado de ansiedade generalizada, fobia social, Transtorno do Pânico, Transtorno de Estresse Pós-Traumático, Transtorno Obsessivo Compulsivo, entre outros (Corassa, 2006).

Tratamento para o medo de dirigir

O primeiro passo é aceitar esse medo e procurar ajuda. Para Aurinez, "é importante identificar o medo de dirigir e buscar tratamento para que ele não seja tão restritivo. Através do tratamento, a pessoa irá entender esse medo, aceitar que ele existe e transformá-lo em um medo suportável, que não obstaculize ou paralise" (Schmitz,  2020).

Nos casos de fobias como essa, a psicoterapia é um excelente meio para auxiliar a pessoa a trabalhar os aspectos emocionais e práticos ao mesmo tempo, por meio do resgate da autoestima e da diminuição da ansiedade, valorizando os pontos fortes da personalidade, favorecendo o autoconhecimento e criando comportamentos eficazes para que a pessoa volte a dirigir (Barp & Mahl, 2013). Mas a psicóloga reforça:

- “A fobia está relacionada muitas vezes à dificuldade de lidar com o afeto, mas cada caso é um caso. O que se identifica muitas vezes na prática clínica é que trabalhar com o paciente fóbico exige o cuidado de saber quando se aproximar e o quanto essa pessoa permite essa aproximação, pois uma característica importante do perfil das pessoas fóbicas é a evitação, incluindo a evitação do afeto. Por isso, algumas vezes é difícil a adesão dos pacientes com transtornos fóbicos ao tratamento, já que quando o psicólogo se aproxima de suas questões pessoais isso assusta e faz com que se recolha” (Schmitz, 2020).

Outro aspecto relevante nesses casos é a questão da habilidade. "Quanto mais treinamos mais ficamos preparados para encarar a situação". E nesse ponto, o papel do psicólogo é fundamental. "Em termos de Psicologia é importante tratar as questões emocionais para que a pessoa consiga também fortalecer sua habilidade prática. Pois quanto mais essa pessoa se sentir com habilidade prática para dirigir, mais ela se sentirá confiante" - complementa Aurinez. Fica evidente que o sujeito necessita praticar dentro do ambiente que lhe causa ansiedade e medo. Com isso, as habilidades necessárias para conseguir dirigir serão reforçadas (Bellina, 2005).

Referências

American Psychiatric Association. (2014). DSM-5 - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Artmed, ed.5, mai. 2014.

Associação Brasileira de Medicina do Trânsito. Disponível em: <http://www.abramet.portal.provisorio.ws/>.

Barboza, B. R., Costa, K. S., Nachif, N. F. C., & Júnior, R. da C. S. (2020). A avaliação psicológica e o medo de dirigir: Possibilidades de aplicação da bateria fatorial de personalidade. Braz. J. Hea. Rev., Curitiba, v. 3, n. 4, p. 9942-9958 jul./aug. 2020.

Barp, M., Mahl, A. (2013). Amaxofobia: um estudo sobre as coisas do medo de dirigir. Unoesc & Ciência - ACBS, Joaçaba, v. 4, n. 1, p. 39-48, jan./jun. 2013. Disponível em: <https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/>.

Bellina, C. C. de O. (2005). Dirigir sem Medo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.

Departamento Estadual de Trânsito. Disponível em: <https://detran.to.gov.br/estatisticas/>.

Pan American Health Organization. (2018). The Burden of Mental Disorders in the Region of the Americas, 2018. Washington, D.C.

Schmitz, A. R. (2020). Medo de dirigir. Instagram. 2020.

Tavares, L. M. B., & Barbosa, F. C. (2014). Reflexões sobre a emoção do medo e suas implicações nas ações de defesa civil. Rev. Ambiente & Sociedade. São Paulo, v.17, n.4, p. 17-34. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2014000400002>.

 

 

Fonte: https://www.alphaautos.com.br/2020/03/alpha-noticias-o-medo-de-dirigir.html



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